Férias da Páscoa

As férias permitem-nos fugir um pouco dos corredores ou da biblioteca da escola para ir ver de mais perto a natureza e depararmo-nos com outras realidades, com outras reflexões. Encontrei um pequeno pomar em Bragança; uma subida, árvores bem arrumadas como numa parada, um caminho de passeio feito de paralelos e pedras juntos, o centro pontuado por alguns bancos. O horizonte deste pomar urbano é o castelo, como se um paisagista metódico o tivesse realizado. Mais longe despertou-me a atenção o prédio do hospital onde, atrás da fachada bastante alegre, habitam dezenas de combates contra a doença, contra dificuldades de todo o género, contra a morte. Um grupo de jovens à volta de uma árvore florida arrisca algumas hipóteses: “ isto é um cerdeiro, parece. Há macieiras, figueiras”. Até romãzeiras há, eles não as identificam. Pobres rebentos! Este ano sofreram alarmes, falsas alegrias, hipocrisias do céu; neve, gelo, muito vento gelado, que de certeza castigou a imprudência de alguns rebentos que saíram mais cedo do seu esconderijo. O que se passa na cabeça de um botão para que, apesar do rigor do clima, queira, custe o que custe, acreditar? Para que persista no ser, no projeto de crescer, de reviver? Nunca se desencoraja e, nestes últimos dias, continuava a engordar, a colorir-se na sua eclosão, a sair do colarinho. Os rebentos guardaram a fé no futuro. A sua crença, no facto de que após a morte invernal a vida devia renascer e continuar intacta. No fundo, nunca deixaram de acreditar. Fé ingénua e arriscada? Aposta insensata? Já conheceram invernos rudes, outros mais temperados. Verões caniculares e sem água. Ventos maus vindos de todo o lado. Porém, nada perturbou uma só vez a sua esperança, o ciclo encorajante da morte e ressurreição, ciclo que sempre existira. A atualidade humana no Hospital ocorre-me outra vez, onde se levantam muralhas feitas de mil sofrimentos, de mil e uma penas, desesperos em força. Doenças incuráveis, paciência infinita dos “pacientes”, espreitando à lupa os pequenos progressos (“está com boa cara hoje”). Os encorajamentos das visitas perto do vazio. As solidões visíveis assinaladas pelos olhares vagos fixados no chão, sem esperar qualquer amizade. A repetição diária dos gestos da vida hospitalar (“são horas de tirar a tensão!”). As hesitações do calendário. As refeições pouco alegres. As pequenas simpatias do pessoal, falando sempre alto aos doentes e quase sempre como se fossem crianças. Mais longe ainda, a léguas do nosso pomar-jardim resistente, tranquilo, perto do castelo, o mundo ensanguentado pelos ódios recozidos de etnias que são parecidas, guerras intermináveis. Nomes para estes conflitos que sempre voltam, como as silvas à volta dos caminhos: Palestina, síria, Iraque … E os poderosos que enriquecem na indiferença das nossas preocupações: China, “Brics”… O génio do cristianismo é fazer um todo de tudo isto. Violências, sofrimentos, gritos, lágrimas, medos. Fazer um montão enorme e colocá-lo à beira da cruz. A cruz que não é, para nós cristãos, sinal de morte, mas o da etapa seguinte: a ressurreição. Sem ela, o cristianismo seria um vazio. Nenhuma esperança o justificaria. Não haveria igreja, não haveria ressurreição, restaria fechar as igrejas que ainda não fecharam. Loucura, na ótica humana, esta história da ressurreição. Promessa insensata, bem mais incrível que as promessas dos políticos em campanha. O que há, depois da morte (fatal), voltaremos, nós também? Seríamos felizes? Caramba, é tomar-nos por crianças ingénuas que acreditam nos contos de fadas! Sim, crianças ingénuas. É preciso assumir esse estatuto. Assumir a parte de loucura dessa aposta. No fundo, é preciso que nos tornemos como rebentos, que crescem apesar de tudo. Que sobem em direcção ao céu, no seu pomar tranquilo, apesar dos alarmes, dos ventos fortes, do gelo provocador. Que passam a palavra entre eles, na sua linguagem discreta: “ a vida vai renascer, meus amigos, a primavera virá!” Um pouco mais e ouvi-los-íamos cantar.

Adriano Valadar

 30-03-15

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